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27.10.06

aventuras paulistanas 2 

O carro buzina insistentemente. Moça olha mas, rapidamente, retorna a concentração ao que devia fazer. À sua frente, Moço estava tenso, a mão direita sobre a boca, o dedão afagando nervosamente o lábio superior, a mão esquerda apoiada nas pernas que tremiam.
Os dois estavam sentados na mureta do mini-jardim em frente ao banco, na rua movimentada. Eram oito da noite.
Moça hesitava, mas sua intenção era clara. Moço também percebia essa intenção, e seus olhos demonstravam a contradição da presa: queria logo que tudo fosse dito e feito, mas temia o momento como nunca.
Moça abriu a boca. Os lábios de Moço se contraíram.
Olha, disse Moça, e parou. Pude ver os olhos de Moço enchendo-se de lágrima. Ele não iria agüentar. Moça fingia estar compungida, mas a resolução de sua testa deixava perceber que ela estava decidida e, na verdade, havia pouco a dizer.
Olha, retomou, vou ser bem sincera com você, e o que viria a seguir poderia ser dito de tantas maneiras para expressar a mesma coisa. Acabou, não te amo mais, encontrei outro, acho melhor terminarmos, não é você, sou eu, preciso de um tempo, preciso de espaço, você não me dá mais prazer (essa forma, normalmente a mais sincera, é contudo a mais incomum).
O fato é que Moça era o carrasco e Moço, a pobre vítima sem grandes habilidades sexuais.
Não pude, é verdade, ouvir o clímax do diálogo, outra buzina de carro, mas nem precisei olhar para trás para saber que Moço chorava, talvez argumentasse, e Moça via sua piedade / nojo / desprezo por ele aumentar a cada súplica.
Bem no meio da Paulista.

postado por antonina kowalski às 10:48
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25.10.06

Aventuras caseiras 6 

O que nos cativa?
Todas as manhãs, em silêncio, me faço esta pergunta. O que, em mim, cativa o outro? O que me cativa? Sei muito pouco sobre mim, e aprendo menos ainda.
Mas sei o que me cativa nas cidades.
Flores e ruas.
Brasília, por exemplo, foi um amontoado indiferente de concreto por muitos anos, somente à espera da debandada, até que aprendi o sentido de andar nas ruas de Brasília.
Sempre reto, sempre rápido, nunca se perdendo, sempre com rumo. É importante ter rumos, sempre. Mesmo que não se saiba onde vai.
Antes de vir a São Paulo, pensava que a cidade me seria quase catártica. Até que vim e só senti frio. Nada mais. Nenhuma grande emoção.
Até o dia em que aprendi o sentido das ruas de São Paulo. Ora sobem, ora descem, ora se curvam, ora terminam sem se explicar. Ao contrário de Brasília, aqui se perde. O tempo todo. Andar nas ruas é uma intensa negociação entre onde se quer ir e o possível.
As possibilidades, infinitas, ainda assim são limitadas.
Quando enfim compreendi tudo isso, me encantei.
Um encanto quase similar àquele de quando passo pela pequena rua entre as asas em Brasília, a rua onde, por menos de um mês, florescem os ipês brancos que depois formam um tapete branco sobre a rua.
Um encanto quase similar às flores, às tantas flores, que se exibem em todas as ruelas de São Paulo, vendidas, expostas, decorando e ilustrando os prédios incolores ou cinza, todos sem graça, da cidade. Sorrio sempre que vejo essas flores, tenho ganas de levar vasinhos para casa e decorar esse objeto inexistente só com flores e vasos.
Como se vê, é preciso muito pouco para que a cidade me conquiste.
Sou fácil, quando se trata de concreto, telhados e tijolos.
As cidades, em retribuição, também se abrem fáceis.

postado por antonina kowalski às 10:19
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19.10.06

Constatações metafísicas 2 

Não fui eu a primeira a dizer, mas gosto de repetir, que a vida é um filme. Mais especificamente, uma comédia romântica. Uma produção composta pelas vidas e beijos de todos nós e por fotogramas de todas as comédias românticas já feitas.
A minha vida, por exemplo. Como a vida de Will Freeman, minha vida é dividida em unidades. Mas não de tempo. Eu divido minha vida em pequenas unidades de felicidade – porque para mim, felicidade não é um valor.
Felicidade é o pré-requisito, o ponto de partida. Não concebo nenhuma análise que exclua a felicidade. Também não vale jogar com a promessa de felicidade. Se existe alguma coisa à qual a flexível noção einsteniana de tempo não se aplica é à felicidade: o tempo da felicidade é sempre o tempo presente (a vida presente, os homens presentes...), e para a felicidade só vale o passado: a felicidade vivida e a infelicidade esquecida.
*****
Há várias fontes de felicidade para o ser humano, e fazer escolhas implica sempre em saber qual dos lados vai proporcionar mais felicidade. Mais ou menos como a tabela de prós e contras de Reuben Feffer para arrumar uma esposa.
Cada um, como lhe convém, faz suas próprias categorias de felicidade. E as categorias de felicidade mudam conforme a vida segue. Aos cinco anos, a categoria giz de cera era muito mais importante que a categoria teor alcoólico era para mim aos vinte e dois (ainda que hoje as duas valham pouco).
Atualmente, as minhas categorias de felicidade são: amor, saúde (a gente pouco pensa em ficar feliz por estar saudável, mas é sempre bom pensar nisso antes de dar pontos negativos à saúde pela nossa doença), pessoas, consumo/dinheiro, inteligência, sociabilidade, adequação, exigibilidade profissional, sono, corpo, atividades, diversão, tempo.
Digamos que, se eu for convidada a um pub. Vou colocar em colunas quais os graus de felicidade que o evento me dará em oposição a, por exemplo, ficar em casa assistindo a Grey’s Anatomy.
Ou decidir se aceito um pedido de casamento.
Ou se viajo à Suíça.
Ou se mudo de vida.

postado por antonina kowalski às 19:42
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17.10.06

Aventuras caseiras 5 

Tenho carro desde os dezoito anos. Antes dos dezoito anos, não conhecia nada da vida, do mundo e de Brasília a ponto de precisar de carro. Então eu andava. Andava no meu pequeno universo de duas ruas e umas três casas.
Depois disso, dirigir virou uma de minhas paixões, mas isso é uma história antiga de narrativas passadas.
Dirigir por Brasília, o vento no rosto, a velocidade, as pistas vazias, a música, os pensamentos, o controle, o carro.
E aí eu vim para São Paulo.
E obviamente dirigir em São Paulo não é uma tarefa permitida a pessoas que desejam manter a sanidade intacta, por isso deixei o carro.
Senti muita falta de tudo a respeito de dirigir, especialmente a possibilidade de pegar o carro às duas da manhã e ir ao supermercado comprar coisas variadas para casa.
Mas nem toda ausência é desprovida de sentido. Em meio ao desconhecimento completo de uma cidade que não tem siglas, tem nomes de ruas, resolvi andar por São Paulo. Andar, andar, andar, e nos primeiros quinze minutos me senti uma primata dando os primeiros passos darwinianos da espécie, tamanha era a dor nas pernas, nos pés, o calo crescendo, a joanete doendo, o suor.
Aí passou.
E eu gostei de andar, de ver as coisas, são tantas coisas, ou nem tantas, mas sempre há coisas. E eu entendi que andar em Brasília é impossível porque a cidade é composta de grandes nadas e pequenas aglomerações.
Em São Paulo, é impossível haver nada. Há sempre algo, nem que esteja escondido, mas há. Pode procurar. E eu descobri que andar instiga a procurar. E, inevitavelmente, a achar.
Pena que nem todas as coisas escondidas estejam ao alcance dos pés. Ou das mãos.

postado por antonina kowalski às 21:30
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16.10.06

Constatações metafísicas 1 

E diziam na escola que eu era inteligente.
...
Mesmo tendo lido aqueles versos há tanto tempo, só agora, tantos anos e tanta dissipação depois, eles fazem um sentido que ultrapassa a compreensão racional, a escansão e a métrica.

Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes.

A gente acha que é fácil, que basta ter dez dedos e quatro membros, pra ser inteiro. Mas ausência é algo que cala mais fundo, que dói mais forte, e que a gente sente muito mais. Como diria Chico, é o filho que já perdemos.
Ausência é o não estar aqui, o não estar aí, a distância, a impossibilidade, Lacan.
Ausência dá medo, dá incompletude.
Só a presença tapa aquele buraco e deixa inteiro o que já fora incompleto.
...
E levou tanto tempo, e tanta cara no chão, pra aprender.

postado por antonina kowalski às 20:16
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13.10.06

Constatações científicas 1 

O mundo, como aprendemos desde a mais inicial série escolar, é regido por uma série de leis. A lei de Murphy, a lei de Gérson, a lei do Mais Forte.
Como um dos componentes mais importantes e poderosos do mundo atual, a televisão, é claro, também é regida por algumas leis insondáveis mas que, ainda bem, não são tão maléficas aos expectadores como a lei do mais forte.
Ninguém sabe explicar bem como funciona essa lei. Provavelmente, se deve à própria magia embutida no nome do desenho e afins.
E talvez essa lei só se aplique a mim (mas quem liga?)
O fato é que a qualquer hora do dia que eu esteja triste, solitária, deprimida ou com sono e ligue a tevê, vai estar passando, em algum dos dois canais que o exibem, Os Padrinhos Mágicos.
É incrível. Timmy Turner, Cosmo e Wanda realmente são melhores do que qualquer jogo do contente. Eles só perdem para um quindim no quesito satisfação solitária. E para sexo, no quesito satisfação acompanhada. É serotonina garantida, risada garantida e, paradoxalmente, soninho garantido quando você quer dormir.
E ainda tem as Regras das Fadas.
Sensacional.
Nas minhas anotações de observadora, pesquisadora, telespectadora e fã televisiva, percebi ainda outra lei, que também cai como luva às minhas expectativas.
Essa lei ainda não tem nome, mas bem poderia se chamar lei de nina ou a lei do amor na tevê.
É mais simples que qualquer uma das três leis de newton: todo dia passa uma comédia romântica na tevê, e provavelmente uma comédia romântica produzida depois de 1985.
É batata. Se você liga a tevê às 8h da manhã, pode ter certeza que lá pelas 16h a TNT ou o People and Arts, ou o Telecine Pipoca ou até a sessão da tarde vai mostrar a carinha da Meg Ryan, ou da Julia Roberts, ou da Andie Macdowell. Ok, todos já entendemos o espírito.
Mas o melhor é a grande implicação cósmica de se ter uma comédia romântica por dia na tevê (a cabo, bem entendido): não há como ficar mais de um dia em depressão profunda, porque não há melhor remédio pra depressão profunda (depois de cafuné do namorado) que um belo beijo de happy ending.
O poder medicinal das comédias românticas é tão certo quanto a soma de dois e dois.
(Se bem que num episódio de Padrinhos Mágicos Stephen Hawking apareceu pra provar que, sob certas circunstâncias que só os gênios sabem quais são, dois e dois dá cinco. Ok. Então tá).

postado por antonina kowalski às 20:00
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12.10.06

aventuras paulistanas 1 

Eu não fumo e, em tese, não bebo. Mas há dias que pedem um cigarro e um trago. Dias e noites. Noites, por exemplo, como hoje. Feriado em que o chegar em casa foi tarde, muito tarde da noite, e que a comida foi leve demais.
Outro dia, estava perdida na cidade estranha, sem direção, celular e com imensa vontade de chorar. Minha única outra vontade era acender um cigarro. Eu, que sou alérgica a cigarro,acenderia um e entraria no mundo de Marlboro. Ah, sim. Se eu soubesse usar um isqueiro. Só sei acender fósforos (adoro riscar fósforos).
Pois aqui estou eu, agora, tentando disfarçar o imenso vazio na frente da inutilidade tecnológica das pesquisas no google ouvindo jazz. E tudo que eu precisava agora pra me sentir mais aquecida e menos distante de tudo era uma taça e uma garrafa de vinho tinto (sim, porque às vezes um cálice simplesmente não é o suficiente).
E aí, sim, eu poderia desfrutar da incongruente sensação de melancólica solidão e libertária solidão.
Com um bom vinho tinto, um dos cinco que eu sei dizer que é bom, mesmo não entendendo nada de uvas além de são verdes e roxas, a vida ficaria bem melhor, a noite teria contornos borrados e agradáveis e eu dormiria mais fácil, sem quaisquer pensamentos elaborados e discussões com o taxista.
Mas pra isso, claro, eu teria que aprender antes a abrir o vinho.
Preciso desesperadamente aprender a só ser.

postado por antonina kowalski às 21:04
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