<$BlogRSDUrl$>

space

20.11.06

Constatações metafísicas 3 

Houve um tempo em que Natal era motivo de grandes comemorações. A chegada do Natal, quero dizer. Havia excitação e os dias eram contados menos pelo aniversário da mãe que pela possibilidade católica de se montar a árvore.
Finalmente, oito de dezembro, a caixa saía de algum lugar alto, durante muito tempo o guarda-roupas dos pais, depois só da mãe, até ir parar no meu. A mãe tirava a poeira, sentava no chão com a filha e ia alinhando os enfeites de um ano passado qualquer. As bolas vermelhas e prateadas, sempre, o festão, o piscapisca que seria trocado, os anjinhos e papais noéis e muitos laços, que a mãe gosta de laços.
À filha só era dado observar. No máximo passar um a um os galhos da árvore desmontável que iria ganhando vida, e era um pouco só maior que a filha. Montada a árvore, a menina podia ajudar.
Passava as bolinhas, grandes e pequenas, alinhadas normalmente de três em três e amarradas com arame, para serem penduradas.
Era um momento de tensão. A filha se lembra de tremer enquanto passava as bolinhas, o medo de quebrar uma delas era enorme. As bolinhas eram a coisa mais fascinante e mais frágil de todo o Natal. Como a Beatriz da canção. Prestes a quebrar a qualquer segundo.
Era preciso muita delicadeza, muito amor, para lidar com as bolinhas de Natal. Elas eram de vidro, segundo consta, um vidro finíssimo que ao se partir deixava milhares de cacos no chão e pequenas farpas nos dedos.
As bolinhas se espatifavam. Não deixar que o praticamente inevitável ocorresse era o grande desafio das noites de montagem de árvore para a filha. Ao que conste, ela nunca conseguiu não quebrar uma bolinha.
Faz algum tempo que a filha já não acompanha a montagem da árvore. Em sua casa-miniatura, nem mesmo há alusão alguma ao Natal. A filha não sabe bem como lidar com algumas tradições. E, não sabe bem por que, o Natal parou de ter um sentido há alguns anos.
Passeando por uma loja especializada em artigos natalinos para tentar se empolgar com as folias de noel, dia desses, a filha se deparou com baús e baús de bolinhas natalinas, arrumadas sem muito critério.
Elas eram foscas, e se jogadas no chão não quebravam. Faziam um barulho seco do plástico no chão e quicavam. Quicavam.
O Natal já não era frágil há alguns anos, desde que as bolinhas deixaram de se quebrar. E subitamente a filha se lembrou do primeiro ano em que a mãe, animada, lhe mostrara a novidade, e a menina não resistiu ao ímpeto de apertar a bolinha entre os dedos, na tentativa (vã) de que todos os cacos do Natal entrassem na sua mão. Nada disso aconteceu, nem um leve amassado.
Assim como nada disso aconteceu quando, na loja, a filha apertou no limite das forças um saco de bolinhas, esperando que o tempo voltasse, e ali era teria vontade novamente de montar a árvore.
Novamente, nada aconteceu. Nem um leve amassado.
A filha então compreendeu que o Natal não é mais o mesmo desde que as bolinhas deixaram de ser um desafio intangível e passaram a quicar seco no chão. Desde que ela foi capaz.
Hoje, a filha prefere imensamente os ovos de páscoa.

postado por antonina kowalski às 10:26
3 comentários links para o post

15.11.06

Feminices 

Senhorita K. gosta de cabelos novos. Mesmo que eles sejam, segundo a denominação do macho-alfa da casa (sim, ele existe e não é Nina em coturnos), estilo-capacetinho.
Ela também gosta de quindins. Desde menina.
Lembra-se até de ir de ônibus ao Conjunto Nacional no meio da tarde ociosa do segundo grau comprar uma bandeijinha com dezesseis miniquindins na confeitaria que ficava na entrada do shopping e que já não existe mais. Quindins deliciosos, suculentos, e pequenos, que eram consumidos no longo caminho de volta para casa, no ônibus mesmo, lambendo os dedos e os beiços.
Senhorita K. fingia sem muita eficácia estudar para uma prova decisiva na manhã de quinta quando seu cérebro enviou ao resto do corpo a mensagem. Senhorita saiu de casa às pressas, não sem antes fazer uma escova no cabelo, para chegar a uma confeitaria qualquer antes das seis e comer quindins.
Como provavelmente sua preferida não estaria aberta em feriado (e não estava), ela primeiro pediu um no balcão.
Delicioso.
Pediu mais três, uma cocacola e voltou para casa, saciada, e foi pseudoestudar.
Enquanto saía da confeitaria, feliz, carregando numa mão a cocacola e a bolsa de flores e, na outra, os três quindins, Senhorita K. passou por uma mesa de jovens senhoras cujos cérebros devem ter enviado as mesmas mensagens aos respectivos cérebros e lá estavam todas comendo e bebendo chocolates quentes com chantillys e açúcar, e todas cláro, muito afáveis.
Senhorita K. passou bem perto delas, a ponto de poder ouvir a conversa: o Foguinho mentiu, menina. Ah, mas ele é tão legal, bonzinho. Nem é bonzinho, ele roubou a Bel e enganou o Duda, e a essa altura Senhorita estava já na porta do carro e sorriu, uma típica reunião de mulheres. O vislumbre da felicidade ou da loucura.

postado por antonina kowalski às 15:28
0 comentários links para o post

14.11.06

Fim de noite 

Eu adoro tevê aberta e não é à toa. Nem é desculpa pela extinção de todos os meus 172 canais a cabo.
Adoro a tevê aberta porque só ela proporciona noites genuinamente agradáveis e inocentes.
Como ontem. Depois de me decepcionar com o filme do DVD e sair sem ver o epílogo, fui assistir a uma produção sobre um grupo de cheerleaders hispano-descendentes que se rebela contra a treinadora branca (que também é professora de biologia, desistiu da faculdade de dança na Julliard e perdeu sua empresa pontocom) e decide ser realmente boa em... animar torcidas.
Tão boas que vão a campeonatos onde fazem todas aquelas coreografias sensacionais, que no caso delas tem merengue, cha cha cha e salsa, e ganham tudo e etc, e todos ficam felizes, e a professora, que até o meio do filme odiava as garotas, de repente troca uma proposta de emprego numa nova pontocom para ser técnica de chefes de torcida.
Um típico fim de noite.
E o melhor é que ainda dá pra ver a Ugly Betty no elenco, ainda um pouco mais gorda que em Betty.
Genuína diversão, sem nenhum aparato tecnológico e ancorado unicamente no roteiro cativante.
Adoro fins de noite.

postado por antonina kowalski às 06:41
0 comentários links para o post

13.11.06

Visita à livraria 

Senhorita K. percorre sem muito interesse as gôndolas empoeiradas da livraria decadente. Não é daquela que gosta mais. Está ali a passeio, por distração. Por isso, faz-se necessário esclarecer antes quais os motivos que tornam aquela livraria em especial uma livraria sem especiais para ela, ela que tanto gosta de livros e livrarias.
Ela tem apenas um critério para julgar a qualidade de uma livraria: não é o preço dos livros, ainda que promoções a atraiam; não é o oportuno distanciamento dos vendedores, embora atendentes atenciosos a enervem; não é a organização do estabelecimento, ainda que livros fora do lugar sejam devolvidos delicadamente às suas estantes por ela.
O critério da senhorita é bem simples: tanto melhor uma livraria quanto mais o estabelecimento a faz ficar deprimida.
Explica-se: quanto maior a quantidade e a qualidade dos livros expostos, quanto mais novidades e raridades pelas quais senhorita obviamente não pode ou tampouco poderá pagar num futuro próximo (daí a tristeza incontrolável) melhor o lugar.
Existem inúmeras livrarias assim. Aquela, contudo, era apenas o local destinado a preencher os 15 minutos necessários para que se pague por duas horas de estacionamento. Um lugar de passagem.
Mesmo com essa consciência presente assim que ultrapassou a porta de vidro, senhorita dedicou um bom exame a cada prato das ofertas literárias da livraria. Atenciosamente, reconheceu ou ignorou os lançamentos nem tão últimos assim e até folheou alguns. Lembra-se, inclusive, de ter devolvido, aliviada, dois livros a seus lugares de origem.
Mas senhorita, boa aprendiz que é, nunca desperdiça uma oportunidade de expandir conhecimentos. Certa feita, passou horas se deliciando com títulos franceses para os luminares da filosofia. Outro dia, mesmo, folheou divertida toda a bibliografia de Ruth Rocha.
Essa visita a livraria teria efeito mais analítico, porém. Senhorita foi dar uma espiada inocente nas ofertas de auto-ajuda. Senhorita sempre gostou de títulos.
De títulos de livros e flores.
Por isso, qual não foi sua surpresa ao perceber que os livros de auto-ajuda são divididos por flores.
Sim. Senhorita, Mrs. Dalloway e os capistas dos livros de auto-ajuda adoram flores.
Senhorita e os capistas, ainda mais coincidentemente, adoram tulipas.
Seis em cada dez capas de livros de auto-ajuda trazem uma ou várias tulipas na capa. São os livros mais femininos, de temáticas mais etéreas. A segunda divisão abrange o tema alegria, e as capas explodem em margaridas ou girassóis hiperbólicos.
Singelo, não? Será um sinal de que Senhorita deveria agarrar o primeiro exemplar apinhado de tulipas (e barato) que lhe cair pelas mãos que tudo vai mudar? Será um sinal do gosto clichê de Senhorita? Será uma coincidência? Muitas questões, meus caros.

postado por antonina kowalski às 18:33
0 comentários links para o post

10.11.06

Constatações infelizes 3 

Ir ao shopping pode ser uma atividade tão perigosa quanto se olhar no espelho. Subitamente, num passeio rápido, você pode perceber que está à margem. Completamente à margem.
Andando no piso das lojas mais chics, você percebe que está à margem da moda: sua calça tem cinco anos e foi comprada em loja de departamentos; sua blusa até que é de loja de grife, mas saiu da liqüidação de uns cinco anos atrás. De tendência, você tem zero. Absolutamente fora de moda.
O olhar translúcido que as outras pessoas te devotam na caminhada deixam bem claro que você também está à margem da beleza. Não chama atenção, não se destaca. É só mais um rostinho razoavelmente cuidado na multidão. E ainda tem uma espinha na ponta do nariz.
Na livraria, os títulos dos livros e os autores dos livros te lembram que você também ficou de fora da genialidade. Comum, comum, sua inteligência é suficiente para passar no vestibular, mas ninguém vive de passar em vestibular, afinal de contas.
Você está à margem, e entra em desespero porque seus óculos de sol quebraram mas você não tem dinheiro para comprar novos. Na verdade, você tem cinco reais no banco. Você também não pode trocar os óculos de grau, descascados. Nem comprar um novo monitor pra assistir melhor aos seriados (porque você não tem mais tevê a cabo).
À margem do consumo, mesmo diante das queimas de calçados.
Pelo menos você ainda tem carro, sem gasolina, e não precisa pisar na poça pra entrar no shopping. Você foi ao shopping com seu pai. Encontrar sua mãe. Disfarçar a cara de choro naqueles momentos em que as pequenas coisas subitamente parecem nada diante da distância em que você vive daquele mundo de vitrines e manequins.
À margem da felicidade.
O amor é cheio de condições, e você pode ser abandonado a qualquer momento, como você já abandonou, e nem pode gritar por isso. Os amigos trabalham, o irmão estuda. Você só quer voltar pra casa, porque em casa você não está à margem de nada.
Em casa é o seu mundo, seu mundo branco, preto e vermelho.
Em casa você está sozinha e ninguém te faz sentir pena de si mesma. Porque você já não abre a internet, nem lê sobre os bem-sucedidos.
...
E você já nem é criança para ter sonhos a realizar. Toda uma vida de marginalidade te espera. Bem vindo ao fim do dia.

postado por antonina kowalski às 11:13
0 comentários links para o post

8.11.06

As perguntas sem resposta 

Da série não tenho vergonha de perguntar: Por que Nicole Kidman e Tom Cruise adotaram dois filhos se ambos "eram loucos" para ser pais biológicos (segundo a People)- e Nicole está gravidíssima (segundo as fontes) do beberrão australiano?

postado por antonina kowalski às 19:35
0 comentários links para o post

This page is powered by Blogger. Isn't yours?