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20.7.07

A senhorita esportista 

Eu nunca fui uma menina esportiva. Na primeira infância, tive até bem-sucedidas experiências com o balé e o jazz. Mas o fato é que eu não fazia idéia que minha flexibilidade de encostar pé na cabeça cruzar mãos nas costas e fazer abertura iria se esvair tão rapidamente. Pra ser exata, quando eu percebi que nunca seria capaz de seguir coreografias à risca, virando e dando palminhas à esquerda quando as outras sete meninas estavam à direita.
O problema da descoordenação produziu, na adolescência, um outro desdobramento, revelado nas festinhas infantis e, mais tarde, nas boates com passinhos de balanço ou dance, mas isso é outra história
O fato é que percebi bem depressa, para minha felicidade, que seria incapaz de suceder nos jogos de vôlei, no futebol, no karatê, no circuito de dez etapas do professor. Ainda que eu, magricela e com fôlego, corresse muito na queimada.
Mesmo diante do inegável, da percepção tão premente do fracasso, recusei a aceitar a derrota para a atividade esportiva. Por um tempo, tentei. E aí quebrei a perna. E a outra. E o pulso. E o pé. E o braço. E tentei ser goleira, momento histórico cuja única lembrança é a roupa: camisa amarelo berrante, bermudas horríveis, luvas, joelheiras e alguns tombos.
Quando engessei a perna pela talvez vigésima primeira vez como conseqüência da prática esportiva, do escorregão no banho, da queda na escada, da existência, meu pai veio ter uma conversa séria comigo: me disse que o único jeito de eu conseguir praticar esporte seria fazendo isso sozinha, num lugar deserto, e sem a competição. Eu estava condenada a duas operações no joelho, uma tendinite e a inveja das meninas que jogavam vôlei.
É sempre nessa incapacidade motora que penso quando me vejo torcendo empolgada pelo time brasileiro de badminton, ou pela equipe de hipismo, ou pelo pólo, judô, ginástica.
Não, eu não sou patriótica.
Eu sou viciada em esportes.
Em ver esportes. Talvez como uma vingança sedentária e riso interno pelos anos de sacrifício e dedicação e abnegação que todos aqueles atletas mostram e que eu sempre fui incapaz de ter.
Quando minha única ocupação social era ser adolescente (chata) e estudar, eu ficava duas, três semanas com a vida em suspenso, a cada dois anos – panamericano ou olimpíada – vidrada na frente da tevê, cocacola na mão, assistindo qual esporte fosse (ainda que tenha sempre tido especial apreço pela natação, eu que nem sabia nadar).
Hoje, frente a tantas obrigações chatas e dispensáveis, não fosse o dinheiro e o status social, fico triste, muito triste, quando perco uma luta vencida ou derrotada, emocionante ou plácida, e tenho de, no lugar, cumprir deveres.
O mundo é tão mais fácil aos 15. O problema é que a gente só descobre isso aos 30.

postado por antonina kowalski às 16:13
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18.7.07

O saco do mercado 

Hoje me surpreendi como o tempo passou. Como o tempo passou, inexoravelmente, pra mim. No momento exato em que me dei conta da mudança das minhas preocupações. Na mudança da minha observação das sutilezas do mundo.
Se um dia eu já me deti por muito tempo no repicado do cabelo da menina mais bonita que eu, ou no caderno dez matérias mais caro da garota rica que sentava do meu lado, hoje me deparei percebendo sutilezas de outra natureza.
Me peguei sorrindo ao perceber que, finalmente, o Extra havia mudado o fornecedor das sacolas de plástico. Lentamente, afaguei o plástico branco barulhento para me certificar de que uma sacola seria suficiente para dois chás. Era. Pela primeira vez.
Me tornei uma donadecasa. Solteira. Independente.
E estava no caixa do supermercado pensando que nunca mais precisaria reclamar da sacola rasgada na saída do carro.
E estava no caixa do supermercado pensando em como pôde meu suco preferido de uva subir oitenta centavos num único mês.
Diante de tantas mudanças, diante da preocupação iminente com o antirugas e com os peitos caindo, só uma certeza fica. O tempo, o medo da constância fatal do tempo, é das poucas obsessões que me seguem fiéis.

postado por antonina kowalski às 19:03
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6.7.07

A passagem do tempo 

Como a gente mede a passagem do tempo? Como sentir que o tempo passou sem ter de sofrer ao descobrir um ensaio de uma ruga que irá nascer nos próximos dez anos? Eu nunca soube. Nem nunca me importei sobremaneira. Até o dia em que notei o quanto meu bambu havia crescido.
Meu bambu é o símbolo histórico da minha vida adulta. Comprei-o um mês depois que saí da casa da mãe e me mudei para meu apartamento. Meu bambu tem dois anos e dois meses. Minha emancipação, dois anos e três meses.
Comprei o bambu porque ele se dizia (ou melhor, a etiqueta dele dizia) que era da sorte.
Hum.
E porque eu li também que os bambus não precisam de sol, são regados só uma vez por semana e só requerem água e uma casa bonita à qual gostem de pertencer e enfeitar.
Definitivamente, eu preenchia todos os requisitos do meu bambu. Nunca o molharia mais de uma vez por semana, nunca o colocaria no sol, como nunca coloquei planta alguma. E a casa é bonita.
O bambu sempre ficou ali, no mesmo lugar, o mesmo vaso – um arroubo estiloso que me fez coloca-lo num vidro antigo de leite árabe.
Até que mês passado eu olhei para o bambu, olhei mesmo, vendo-o pela primeira vez em tempos, e me dei conta de que não havia mais três folhas, como quando ele chegou. E que o pequeno galho que eu supunha eternamente atrofiado já saía dos domínios do vaso. E o bambu estava grande e verde.
Vi, súbito, que o tempo passou. E, como o bambu, o tempo passou crescendo – a casa, as coisas da casa, as recordações, os desafios, a pilha de contas pagas. E o tempo engoliu, um pouquinho, o tempo futuro que resta. Esse diminuiu. Mas não assusta, ainda. Pelo menos não por enquanto.
Porque se o passar do tempo significa ficar mais frondoso um pouco a cada dia, eu topo. Nem que para isso tenha de me servir do nanopeeling da natura, uma espécie de adubo, ou água a mais, para evitar o desfolhar. Tudo bem.

postado por antonina kowalski às 17:12
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