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29.8.07

Jamaica e eu 

A faxineira veio aqui em casa. Eu gosto de faxineiras, e sempre me divirto de um tanto com elas.
O nome da anterior era neném. Esta se chama Jamaica. O primeiro era o apelido de um nome que nunca soube, por dois anos. O segundo é um nome de batismo.
A casa é pequenina, petit, quase uma casinha de boneca em três cores, mas de tempos para cá já tinha ganhado uma nova quarta cor, a cor de poeira.
Então chamei Jamaica. Dei instruções genéricas, saí de casa. E voltei.
Por telefone, ela havia me dito que, sim, limpou, e que tinha dado uma “organizadinha melhor” nas coisas.
Ops.
Acontece que as coisas, ainda que sujas, estavam rigorosa e estritamente nos seus lugares, muito bem definidos por esta senhorita.
Pois.
Eu tinha a certeza de que tudo estaria dentro da casa, só não saberia em que lugares estariam. Se bem que seria difícil não achar a prateleira de cds recém-colocada em cima da escrivaninha, ou a almofada de ovelha da cama no sofá, ou os coffee table books escondidos atrás duma prateleira e não mais na mesa, ou o aspirador de pó que emprestei do amigo do lado dos dvds.
Isso tudo foi fácil achar. Assim como o xampu no lugar da pasta de dentes e o condicionador no lugar das escovas de cabelo.
Bem fácil, ainda que intrigante.
Aí eu vi que o creme hidratante estava meticulosamente colocado no lugar. Mas de cabeça para baixo.
Intrigante, porém divertido.
E foi tudo bem divertido até eu precisar da tábua de frios.
Mas tudo bem.

postado por antonina kowalski às 19:49
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23.8.07

Pessoas que te fazem sentir 

Estava vendo Oprah. Eu adoro Oprah. Adoro os temas familiares, adoro o book club, adoro que ela seja gordinha, adoro a boca dela, adoro o sorrisão dela, adoro como ela controla o show. Ela não é só uma negra no showbizz para preencher cotas invisíveis. Ela é boa. Ela é boa demais.
E eu sempre tenho provas e provas. Era um programa para promover o filme Hairspray e, para isso, iriam lá John Travolta, Queen Latifah e Michelle Pfeifer. Quando Oprah anunciou o nome da mulhergato, disse também que era a primeira vez que ela ia ao programa (como assim, pensei eu).
E foi quando Michelle Pfeifer entrou no estúdio, linda e loira como sempre, que tive a ilustração perfeita de por que eu adoro Oprah.
Ela deu um abraço tão apertado, tão aconchegante, tão sincero, tão demorado, como faria sua amiga de escola ou sua tia ou alguém a quem você quer muito dar os parabéns, naquela mulher que estreava ali, que eu, muitas léguas distante e muitas reprises depois, me senti abraçada.
Eu me senti bem.
Porque a Oprah Winfrey feels like home. Ou, como diria o Warner Channel, Oprah Winfrey te faz sentir.

postado por antonina kowalski às 20:45
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20.8.07

Encantos de menina 

Uma das coisas mais divertidas da infância é o constante processo de encantamento desencantamento do mundo que vamos sofrendo a cada nova descoberta. Se, por um lado, descobrir o mecanismo da chuva desencanta a magia da água caindo do céu, a própria chuva e é, em sim, um pequeno milagre da ciência.
Em parte, eu não perdi a mania de me encantar desencantar. Até porque tem muita coisa no mundo que ainda me intriga.
(a própria capacidade de se intrigar, assustar, curiar, é também uma capacidade de menina).
Me intriguei durante semanas, por exemplo, com a desobediência da minha tevê. Programada para acordar às sete e dormir às dez da manhã, ela se desligava sozinha às nove, sem nenhuma instrução, no meio da competição de receitas da Ana Maria Braga. Até que um dia, como um estalo ou lâmpada do professor Pardal, entendi do que se tratava. Se desencantava um pedacinho do meu mundo, ficava ao mesmo tempo encantada por descobrir o que havia por trás do meu assombro. E encantada com a esperteza da coisa em si.
Aconteceu de novo dia desses. Fiquei estupefata de perceber que os carros entram nos shoppings pelo lugar mais óbvio, pela porta, e que era, também, por isso, que todos os shoppings têm portas tão grandes. O lugar de entrada dos carros em exposição nos shoppings era uma dúvida que me cercava em segredo há tempos.
Mesmo que os cabelos branqueiem, que as rugas cheguem, que as juntas ranjam, que a paciência termine, que fique sempre a capacidade de maravilhamento da menina pequena que um dia descobriu como era o seu mundinho.

postado por antonina kowalski às 10:13
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11.8.07

O pente da vó 

A mãe de minha mãe, a vó Odete, era uma mulher sensacional. Teve catorze filhos, criou doze, enterrou dois, enterrou o marido, ficou muito doente e só foi salva com macumba, adorava feiras, fazia doces como ninguém. Era graças a ela que cada visita minha ao Rio era recheada, já na primeira noite, de cocadas feitas artesanalmente, envolvendo toda a família no ritual de rala coco, mexe coco, bota pra ferver, assa, corta e come. Foi graças a ela que comi perna de rã com cinco anos.
Minha vó era uma pessoa sensacional. Não sabia ler. Assinava só o nome. Quando foi me deixar no aeroporto de volta a Brasília depois das férias em que fiquei mocinha e dei um beijo, me pediu ajuda pra assinar o formulário, benzeu minha testa e coçou minha cabeça como eu fosse um macaquinho deliciado. Deliciada, claro, eu estava.
Hoje estava ouvindo um cd que de samba que tem coro de senhoras do morro carioca cantando “laralaiá laralaiá” nas músicas.
E lembrei de minha vó.
Porque a entonação das senhorinhas do coro era igual à entonação de voz da minha vó quando gritava kariiiina, com aquele jeito carioca, ou quando era carinhosa dizendo kakáááááááááá.
Ou quando ia a feira e dizia que meerrrrrrrrda, do tomate feio, ou quando xingava a gente, e ela xingava a gente e muita gente.
O coro de senhorinhas tinha jeito de coro de vó carioca.
Não fiquei com aquela saudade triste da vó. Ela morreu quando o corpo e a mente cansaram. Aproveitei bem a vó, enquanto tive.
Só sinto falta de andar atrás dela na feira, porque ela gostava de comprar verduras com o pente espetado no meio do cabelo.

postado por antonina kowalski às 17:01
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8.8.07

Na ponta dos pés 

Nunca fui uma garota de classe. Outro dia aprendi que não se deve cortar a alface e comer. Eu nem como alface. Não sei usar jóias, não tenho as respostas prontas, não gosto de usar salto, ainda que saiba usá-los, não sorrio com delicadeza, não consigo manter a altivez, não me sinto bem com óculos jackie o, nunca usei chapéus oi fui ao derby, não sou charmosa ao fumar, bebo pouco prosecco, nunca me fantasiei de Audrey Hepburn ou Rita Hayworth, não tenho modos à mesa, falo mais palavrões do que deveria.
Mas ontem eu descobri que tem uma coisa, uma coisinha pequena e sutil e imperceptível e discreta, na qual eu tenho classe. Muita classe.
Eu subo e desço escadas com uma classe de fazer inveja a Sissi. Com uma classe que, duvido, Grace Kelly tinha ao flanar pelas escadarias do palácio de Mônaco.
Eu subo e desço escadas com a ponta dos pés.
Eu piso cada degrau, há vinte e seis anos, dois meses e dezesseis dias, ida e vinda, subida e descida, com o pé da bailarina russa que nunca fui nem nunca sonhei ser.
E só ontem, descendo elegantemente as escadas enormes, duas dúzias delas e um pouco mais, que me levariam ao sanduíche e às desventuras no banco, me dei conta que sou uma lady na escada. Ponta do pé degrau ponta do pé degrau ponta do pé degrau ponta do pé degrau, como um bailado num cenário em dois andares. E a mesma coisa na subida dos muitos degraus – com um certo cansaço a mais e o peito arfante, claro – ponta do pé degrau ponta do pé degrau e em momento algum a planta do pé encontra o degrau, como se me bastasse aquele pedaço, o pedaço que deixa a mulher quase suspensa e um tanto mais delicada e frágil diante do mundo, para me movimentar nele.
Não o tempo todo. Porque algumas mulheres têm classe o tempo todo. Eu, apenas na escada. Mas tudo bem.

postado por antonina kowalski às 20:47
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