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9.8.06

Venturas da fé 

Na manhã daquela quinta-feira, a irmã foi informada de que era sua semana de limpar as latrinas. É claro que ela sabia, há muito, da rotatividade das semanas intermináveis, cinqüenta e duas, cento e quatro, setecentas e oitenta e sempre uma semana por ano sua semana de limpar as cloacas do convento. Mas foi naquela manhã, justo aquela, um dia ordinário de sol modorrento e nuvens pouco criativas, que a irmã deu-se a sentença.
Basta.
Era tarde demais para tomar outros rumos ou inventar novas ilusões. Mas não era tarde, no entanto, para se vingar. A irmã passou a quinta-feira tomando chás e muita água. Era preciso hidratar-se bastante, afinal a tarefa era árdua, ponderou a irmã.
Na sexta-feira, a irmã levantou-se antes das companheiras, bem cedo, antes de antes de o sol raiar, e foi à cisterna buscar o primeiro balde de água para limpar a primeira cisterna. Dessa vez, faria diferente. Limparia primeiro as latrinas de uso comum, depois as latrinas do refeitório, e por último a latrina da madre superiora.
Já passava das sete da manhã quando a irmã chegou à latrina da madre. Já bebera bastante água, muito chá, estava hidratada, ainda que com um pouco de fome. Era capaz de carregar todos os baldes de água por todas as dependências do convento e esvaziá-los em cada latrina. Foi mais fácil, contudo, chegar ao banheiro da madre superiora. A madre ainda dormia, no cômodo ao lado. Não precisaria passar por lá; era preciso apenas ser silenciosa.
Colocou o balde vazio no chão, no meio do cômodo, ficou de cócoras. Não tinha vestido calcinha naquela manhã para facilitar tudo. Esvaziou a bexiga, já dolorida. Não encheu o balde. Não era preciso. Daria algum jeito depois. Meticulosamente, limpou a pia branca, deixando-a ainda mais imaculada que antes. Limpou a casa de banho com esfregão. Esfregou os azulejos brancos, envelhecidos perto do chuveiro. Tudo cheirava a mijo, mijo com muita uréia. Mijo de chá e água, mijo puro feito para deus.
Agora a irmã já poderia descer e voltar a usar seu mictório de uso comum. A madre superiora que ficasse com o dela. Não tinha mais nada a invejar da privacidade alheia.
Feliz, com o pensamento purificado, a irmã não desejava mais largar o hábito ou deixar os auspícios de deus. A irmã foi ao banheiro comum. Lavou as mãos furiosamente. Foi ao quarto, vestiu a calcinha, não queria entrar na capela nua. Foi rezar. Deu um sorriso agradecido pelas bênçãos de Maria.

postado por antonina kowalski às 11:44

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