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22.12.06

ensaio sobre a miopia 

Já não me lembro mais quando meu mundo começou a ficar diferente do mundo do resto. Me lembro, contudo, da primeira vez em que usei óculos em público. Eles tinham um dia e eu havia acabado de quebra-los numa situação embaraçosa. Fui coloca-los para enxergar o joguinho de ilusão de ótica que o palestrante fazia. Só tinha uma lente. Alguns colegas de escola riram. Afinal, era só o que faltava, as armações ovaladas de aro dourado finíssimo para ornar com o aparelho nos dentes e todo o desajuste.
De lá para cá, já quis mudar as armações diariamente, já usei lente e sofri com alergia, mas nunca cogitei operar os olhos.
Porque não considero ser míope uma doença, um mal. No máximo, um desconforto próximo ao desconforto menstrual, que me obriga a dirigir de óculos e a ver televisão com eles (o que sempre requereu cuidados extras na hora de adormecer em frente à tevê). O que eu adoro mesmo é andar sem óculos.
Eu vejo o mundo como ninguém mais. Um mundo dois graus alterado, para menos na acuidade, porém para mais na imaginação. A visão alterada me dá a liberdade de criar o que vejo, fazer pequenas trívias sobre as imagens à frente, socializar com estranhos, perder oportunidades, mas, sobretudo, rir dos meus enganos pueris.
Pueris como confundir uma toalha bege como um corpo nu debruçado na janela; um pé de tênis grande com um pequeno gato; o ônibus certo com o ônibus errado; o amigo com a amiga; a nuvem que tem forma de peixe com a nuvem que tem forma de avião.
O real e o só meu.
Eu, diferentemente da maioria silente e conformada com a normalidade, o comum e o banal, escolhi ver o mundo ao meu feitio exclusivo. Não me arrependo. Sair com fone de ouvido devidamente posicionado, tocando minha trilha sonora particular, sem óculos, me traz a imagem de mim mesma à semelhança dum Tony Manero enfastiado de ácido, numa viagem só dele, à maneira daquele gingado tão só dele.
E no meu ipod também toca beegees.

postado por antonina kowalski às 15:13

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