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31.1.08

21oC 

Senhorita K. foi morar em São Paulo uma vez. Quando desceu do avião, tudo que ela sentiu foi o vento frio e a chuva fina no rosto. Não ficou feliz.
Na primeira noite, ao voltar do primeiro dia de trabalho, tudo que sentia, fora a saudade e a insegurança, e o desafio diante do desconhecido, e a leve perdição diante da cidade nova e gigantesca, era o vento frio e a chuva fina no rosto. O vento mais frio e a chuva menos fina no rosto.
No segundo dia, Senhorita K. acordou, usando seu pijama-babydoll, levantou da cama-under-the-sofa em que dormiria pelos próximos dois meses, religiosamente, e descobriu como seria morar em São Paulo. Seria frio. A qualquer hora do dia ou noite. Seria frio.
Não ficou feliz.
Senhorita K. correu para o chuveiro, se debatendo eticamente se era mesmo necessário tomar banho no segundo dia de trabalho no qual não teria ainda nenhuma responsabilidade e ninguém, sequer, falaria com ela.
Senhorita K. cometeu a besteira de lavar os cabelos naquele dia.
E então ela desceu do décimo quinto andar rumo ao ponto de ônibus. E estava frio. Muito frio. Frio pra caralho.
Não ficou feliz.
Senhorita K., desesperada, começou a chorar.
E seguiu chorando o dia todo, como o frio não apenas não diminuísse mas aumentasse à medida que a noite ia chegando.
Senhorita K. chorou no ouvido do pai, da mãe, do namorado, dos amigos. E tomou uma decisão. Queria todos os seus casacos, até o sobretudo indefinível e estranho que a mãe lhe dera, despachados por correio até o dia seguinte.
Senhorita K. foi embora de ônibus, chorando, sem nenhuma proteção contra o frio a não ser um casaquinho patético.
Quando Senhorita K. passou pelo mostrador que indicava 5oC, desabou. Não era capaz daquilo. Precisava de calor, aconchego, um abraço, carinho.
Quando os apetrechos de frio e a touca de flores chegaram, a onda de ventos polares havia terminado, mas nada nunca faria São Paulo ser uma cidade realmente quente, e Senhorita K. usaria todos os apetrechos, vez por vez, apenas para se sentir mais aquecida.
***


Brasília é uma cidade esquisita. Em muitos aspectos, mas naquela terça-feira, Senhorita K. só pensava na esquisitice daquele clima. Fazia frio. Fazia frio demais, e justo no dia em que ela havia colocado um casaqueto 3/4 para o trabalho que mais enfeitava que esquentava.
Senhorita K. chegou em casa completamente sem humor. Foi dormir encaramujada no edredom vermelho, de meias e moletom.
Teve vontade de chorar. Mas, na verdade, fazia 20oC, e o que ela não conseguia era entender como sentia o mesmo frio daqueles 5oC.
Talvez fosse o vento, talvez fosse a ausência completa de coberturas e prédios altos, talvez fosse psicológico.
Não sabia.
Sabia apenas que o frio a impedia de pensar, invariavelmente,e isso poderia ser bom ou ruim. Quando tinha coisas a fazer, creiam, era bem ruim.
E, no meio do frio, da quarta-feira que continuou, dos três casacos pesados usados simultaneamente no jornal, no meio da pauta cancelada no meio da chuva, somente um pensamento foi capaz de consolá-la.
Sempre que sentia frio, especialmente quando não estava assim tão frio, Senhorita K. se sentia um pouco Sally Allbright. Sentia que a qualquer momento Harry Burns iria irromper, inapropriadamente vestido, na festa de anonovo que ainda não era, e lhe dizer no ouvido “I love that you get cold when it's 71 degrees out” - 21oc na conversão.
Isso a fazia se sentir um pouquinho mais quente por dentro.
Por cinco minutos, quando parou de ventar lá fora, ficou feliz.

postado por antonina kowalski às 08:17

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