<$BlogRSDUrl$>

space

21.5.08

Gavetas mágicas 

Quando criancinha, Senhorita K. tinha fascinação pelo universo mágico das coisas de adulto. Uma delas era o baralho pornô que achou um dia na casa de parentes, escondido no bolso direito dum blazer mostarda de ombreiras. Outra era a caixinha preta quadrada em que Senhora baba guardava os dentes que caíam da boca de Senhorita K.. Ficava no outro bolso do blazer.
Outra coisa mágica que a fascinava era a gaveta dos documentos. Estava ali, naquela gaveta, todas as provas da existência de Senhorita K. A carteirinha de vacinação, o teste do pezinho, o papel da maternidade com os dados do nascimento e o nome da mãe, a carteirinha de sócia do botafogo e do americano esporte clube.
Mas o que mais fascinava a pequena e rechonchuda Senhorita K. era a certidão de nascimento. Naquela época, elas vinham mais pomposas, mais adequadas à solenidade da ocasião. A de Senhorita K. vinha com capa contracapa corderosa fortes, duras, que se abriam e revelavam a certidão dobrada, o nome que de todos os nomes pertencia só àquela senhorita, naquele dia, naquele local, naquele mundo encantado. Senhorita K. adorava abrir escondida a gaveta de documentos, folhear as agendas da Senhorita baba, os contos perdidos do Senhor babo para, enfim, abrir a certidão e olhar com o reconhecimento daquele pouco tempo de letração os nomes que se juntaram em outros momentos para que ela fosse ela.
Aí um dia desses, Senhorita K. decidiu tomar um grande passo rumo à independência vital dos pais. Pegou a certidão de nascimento da casa de Senhora baba e levou pra casinheta dela. Finalmente, aos vintemuitos, ela era dona de si mesma, de tudo que pertencia a ela.
E perdeu a certidão de nascimento.
Em dois dias.
Ficou arrasada. Envergonhada. Perdera pra sempre a capinha rosa que sempre lhe dissera tantas coisas, que sempre fora a depositária fiel de alguma verdade.
Sentiu-se revoltada consigo mesma. E foi ao cartório registrar-se de novo, tirar nova certidão, voltar a ser alguém. Errou o cartório. Achou o lugar certo, onde o pai foi dar a ela, num dia tão longe, o nome da moça bonita da novela, e pediu uma nova capinha rosa.
Quatro reais.
Uma nova certidão, em papel moderno.
Mas nenhuma capinha corderosa. Nenhuma. Nada. Senhorita K. ainda perguntou: é só o papel?
Não, não pode ser. Certidão de nascimento, já diria o senhor José, é algo importante, é tão importante que merece carinho especial.
Senhorita K. está desolada. Por ter perdido o tesouro mágico da infância numa casa que nem paredes divisórias tem e por ter sua certidão tratada com tão poucocaso pelos oficiosos dos nomes.
Mas tudo bem.

postado por antonina kowalski às 08:39

2dizem por aí:

At 24/5/08 04:19, Blogger Roberto B. disse...

Eu nunca me lembro a sequencia correta: Num baralho porno, duas bundas ganham de uma trinca de peitos, ou é o contrário?

 
At 24/5/08 07:45, Blogger Cosmo disse...

Como vc perde tanta coisa em um espaço de 2m qaudrados???
Layout novo! Uhu!!!

 

Postar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?